sexta-feira, 20 de julho de 2018

Contos sobre Pinturas: Maldição


    Após sair da galeria, lembrei-me de uma história que minha Vó me contou quando eu era menor e quero deixá-la registrada para que não caia em esquecimento.


     Em 1962, havia um pintor mal-sucedido entre outros pintores mal-sucedidos. No entanto, este era tão incomum quanto seus quadros. Enquanto os outros exibiam suas paisagens com pôr-do-sol e flores do mesmo nível, ele expunha retratos que levava o desprezo aos olhares dos transeuntes e lágrimas às pobres crianças que chocavam-se ao se depararem com os olhos deformados, escuros, deprimidos e grotescos ao ponto de fazê-lo ser expulso do local algumas vezes. Mesmo o homem parecendo estar sempre perturbado, saía em silêncio com os olhos fixos no chão.
     Isolava-se em seu quarto, no centro da cidade e saía apenas para expor nas ruas e, às vezes, voltava embriagado.
     A cada dia seu estado físico ia piorando, ficando mais magro e esguio como se uma criança tivesse pintado um cadáver e seus olhos tão fundos que davam a impressão de que não os tinha mais, deixando de comida para os pássaros da rua. Seu quarto, que até então era sempre silencioso, foi a causa de muitas reclamações dos vizinhos que julgaram ouvir gritos vindo de lá. Quando abriam para examinar o que estava acontecendo, não encontravam nada mais do que quadros empoeirados e um ambiente sem vida. Minha Vó disse que havia até um cheiro de carniça no ar mesmo sem uma higiene decadente no lugar. Os gritos ficaram mais absurdos, beirando as pessoas à loucura. Eram vozes terríveis, que pareciam com o ruído de uma televisão sem sinal. Alto, como os gritos de uma mãe que perdeu seu filho. 
     Em 1963, o pintor mudou-se do Ceará para Portugal e faleceu lá. Em seu quarto foi deixado apenas uma pequena pintura que assustava em todo o seu aspecto. Retratava a face de uma mulher que tinha uma expressão deprimente. Escorria sangue de seus olhos mortos e de sua boca cheia de dentes negros. Ao lado, um poema escrito em tinta vermelha:

"Passos calmos 

     no inferno

    A porta aberta,
   Ainda escorre sangue


 A morte
    da serpente".

     Minha Vó sabia da história porque o pintor era seu tio-avô e que a família ficou com o quadro, que apenas trouxe casos macabros ao longo dos anos. Foi uma maldição que ele deixou, e quem possuísse o quadro em sua residência, cedo ou tarde, seria banho em desastres antes de morrer. E ela também foi uma vítima de desastres antes de cair nos trilhos da estação pouco antes do metrô desmembrá-la terrivelmente.

     Eu realmente não sei para onde foi esse quadro mas agora a pouco recebi um e-mail estranho escrito "não me escuta?" com uma imagem anexada, que eu me arrependo de ter olhado: 







e agora um ruído alto vem da sala...

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